O Aeroclube do Rio Grande do Norte ingressou na Justiça para, pela primeira vez em quase um século, discutir a propriedade — e não apenas a posse — do terreno onde está instalado desde 1928, no bairro do Tirol, em Natal. O Estado deu um prazo de 90 dias para que o clube deixasse o local e não aceitou propostas de cessão de espaço para órgãos públicos, projetos sociais e aulas para alunos da rede estadual feitas pelo Aeroclube.
A origem do Aeroclube remonta ao ano de 1928, quando o então presidente do Estado, Juvenal Lamartine — que também presidia o Aeroclube à época — destinou a área para o funcionamento do clube de aviação civil e prática de esportes. A iniciativa visava fomentar o desenvolvimento da aviação e o progresso técnico local. Não há registro formal da doação feita por Juvenal Lamartine. O que se sabe é que a construção onde se instalou a sede do clube era a casa de veraneio de Alberto Maranhão.
Apenas em 1952, 24 anos após a posse, o Aeroclube registrou a propriedade do imóvel, com base em uma lei estadual autorizando a doação, que foi o primeiro ato de registro em cartório do imóvel. O Aeroclube alega que, com base em documentos expedidos pelos cartórios de Natal, antes de 1952 o terreno não era do Estado. Não havia qualquer registro em nome Poder Público e, por isso, o entendimento é que o Estado teria doado o imóvel que, além de não ser seu, já era da propriedade do Aeroclube por usucapião.
Apesar da legitimidade da posse e da importância histórica da instituição, o Aeroclube foi formalmente extinto por iniciativa da Ditadura Militar, e seus bens incorporados à União. Essa incorporação era ilegal, já que a lei à época determinava que os bens fossem destinados a uma instituição congênere. O Ministério da Aeronáutica fez o registro da propriedade do imóvel em 1973 (a segunda da série histórica; a primeira foi em nome do Aeroclube em 1952).
No entanto, o clube continuou funcionando no mesmo local, por meio de um comodato, que é um contrato em que alguém entrega a outro um bem para que este o utilize gratuitamente e com a obrigação de devolvê-lo.
Com o fim da ditadura, a tendência natural era de que os bens expropriados pelo regime fossem devolvidos a quem de direito. Contudo, em 1994, a União ingressou com uma ação requerendo a retomada da posse do bem, que seguia com o clube desde 1928. O processo foi julgado em desfavor da União, mantendo a posse com o Aeroclube. Entretanto, neste mesmo processo, após o trânsito em julgado, a propriedade do imóvel foi transferida ao Estado do Rio Grande do Norte por ordem de um despacho. O Aeroclube considera a transferência nula.
O clube alega que o ato judicial foi ilegal porque, naquele processo, sequer se discutia a propriedade do bem, além de que o clube não foi citado para apresentar defesa relacionada à matéria que tratava sobre a propriedade do imóvel. O Aeroclube afirma ainda que o Estado não pode se beneficiar do ato perpetrado pela Ditadura Militar porque, antes de ter os bens expropriados pela União, o bem pertencia ao clube e não ao Estado, seja porque fora doado pelo próprio Estado por lei em 1952, seja porque o Estado nunca foi proprietário do imóvel, tendo apenas doado o que não era de sua propriedade.
Apesar de ter assumido formalmente a matrícula do imóvel, o Estado nunca ocupou ou utilizou efetivamente a área. Desde 2017, o prédio frontal do Aeroclube, onde funcionou a CasaCor, foi liberado para uso público, mas segue fechado, sem atividades, projetos ou qualquer destinação social definida.
Na ação, o Aeroclube expõe a situação como uma prova de que não há interesse real do Estado em utilizar o espaço para o bem coletivo. Ainda na petição, o clube argumenta que, além do valor histórico e dos fatos jurídicos que atestam a propriedade do terreno, o Aeroclube tem importância social e esportiva fundamental à população do Rio Grande do Norte.
O caso está tramitando na Justiça Federal. O Estado ainda não se pronunciou.
Esportes
O Aeroclube mantém atualmente 300 atletas por meio de projetos esportivos financiados pelo Comitê Brasileiro de Clubes (CBC), gera 40 empregos diretos e indiretos e abriga diversas modalidades. No tênis, as quadras já receberam jogadores de renome internacional, como Gustavo Kuerten, e serviram de palco a treinos para a potiguar Victória Barros, destaque local que hoje treina numa das maiores academias do mundo, na França, e é considerada a maior promessa do tênis feminino brasileiro. Além disso, o espaço abriga eventos culturais, é utilizado para lazer da comunidade e carrega valor histórico como parte da paisagem urbana de Natal há quase 100 anos.
Mesmo com a história quase centenária e sendo um dos maiores centros para prática esportiva no Rio Grande do Norte, o clube teve todas as tentativas de acordo negadas pelo Estado. O clube ofereceu espaços para uso de secretarias e aulas gratuitas com professores contratados pelo próprio Aeroclube para jovens da rede pública, sem obter resposta positiva.
Fonte: Tribuna do Norte