
Sob o governo de Fátima Bezerra, um caso de abuso militar expõe os métodos violentos de treinamento na Polícia Militar do Rio Grande do Norte, inclusive contra mulheres. Major Andrey Jackson da Silva Almeida foi denunciado e Justiça recusou sua defesa para absolvição sumária.
Na manhã abafada de 26 de outubro de 2021, no Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, um grupo de alunos soldados sentava-se enfileirado no auditório do CAIC, tentando manter os olhos abertos durante uma palestra sobre patrulhamento rural. Não estavam ali por opção: a disciplina era obrigatória, e a rigidez do ambiente indicava que qualquer desvio seria punido.
O major Andrey Jackson da Silva Almeida, de pé diante da tropa, interrompeu sua fala quando percebeu alguns alunos sonolentos. A abordagem foi imediata. “Acorda, porra!”, teria dito, antes de ordenar que um dos soldados desse um tapa no rosto de seu colega. Quem hesitasse em cumprir a ordem, sofreria o mesmo destino. O episódio, que se repetiu ao longo da instrução, logo se tornaria um caso de denúncia criminal.
UM MÉTODO, UM CASTIGO
Nos dois dias de instrução, pelo menos onze alunos foram alvos de agressões físicas. Além dos tapas, o major usou um cipó de bambu para golpear as mãos de uma aluna como punição por uma risada. “Dói?”, perguntou ele, observando a reação da aluna, que tentava conter as lágrimas. Em resposta ao silêncio dela, ele repetiu o golpe.
Outra aluna foi obrigada a bater em um colega e, ao hesitar, recebeu a ameaça de que, caso não aumentasse a intensidade da agressão, ela própria seria o alvo. Outro aluno foi obrigado a repetir o tapa em seu colega porque, segundo o major, a força inicial não era suficiente. “Isso foi um carinho. Quero ver você bater direito agora”, teria dito, rindo da situação.
O INQUÉRITO E A ACUSAÇÃO
A denúncia feita pelos próprios alunos chegou ao Ministério Público, e um Inquérito Policial Militar foi instaurado. O documento de 151 páginas descreve os detalhes da instrução e a dinâmica de violência imposta. Testemunhas confirmaram que o major incentivava os alunos a agredirem uns aos outros para mantê-los acordados.
Entre os episódios relatados, o caso de um aluno que se recusou a bater no colega chamou atenção. Sua negativa irritou o major. “Então eu mesmo faço isso”, disse antes de desferir um tapa no rosto do aluno. Um capitão presente na cena tentou amenizar a situação, colocando-se entre os dois e simulando um toque mais leve para evitar um golpe mais violento.
Quando o caso foi levado à Auditoria Militar, o major Andrey foi indiciado por crime previsto no artigo 176 do Código Penal Militar – ofensa aviltante a inferior. A decisão considerou os relatos consistentes e a caracterização clara de abuso de autoridade.
O Blog do Dina escolhe proteger aqueles que são vítimas de circunstâncias perpetradas por pessoas que estão em posição de poder. Por isso, os nomes das vítimas foram omitidos desta reportagem. Mas o impacto da imagem abaixo não pode deixar de ser reproduzido. Horas após uma das agressões, o major Andrey, por Instagram, perpetrou o seguinte diálogo.

A DENÚNCIA E A REJEIÇÃO DA DEFESA
A acusação contra o major Andrey Jackson da Silva Almeida começou a se formar em outubro de 2021, quando os relatos de agressões dentro do Centro de Formação de Praças chegaram ao Ministério Público. O que antes era tratado como “método de ensino” virou inquérito, depois denúncia e, por fim, ação penal. No documento assinado pelo promotor Eduardo Medeiros Cavalcanti, o major é acusado de submeter 11 alunos soldados a práticas vexatórias e agressões físicas, transformando a sala de aula em um ambiente de humilhação e medo. O caso foi enquadrado no artigo 176 do Código Penal Militar, que trata da ofensa aviltante a inferior.
A denúncia lista episódios específicos: um aluno que coçou a barba e foi punido com um tapa; uma aluna coagida a bater em um colega sob ameaça de também apanhar; e um grupo inteiro forçado a trocar agressões para se manter acordado. As vítimas foram obrigadas a obedecer, e as recusas eram resolvidas com violência. O promotor não teve dúvidas: o que ocorreu ali foi uma “demonstração de autoridade baseada na força bruta e no constrangimento público.”
A defesa de Andrey Jackson tentou argumentar que tudo não passava de um desdobramento da disciplina militar. Alegou que as práticas estavam inseridas no contexto de formação de policiais e que os depoimentos das vítimas não eram confiáveis. Pediu a anulação da denúncia, sugeriu que o caso fosse tratado administrativamente e, em última instância, pediu a absolvição sumária. Nenhum dos pedidos foi aceito.
Na decisão, o juiz Jarbas Bezerra foi direto: a materialidade dos fatos estava comprovada nos autos. Havia coerência nos depoimentos, registros internos da PM e elementos suficientes para levar o caso à instrução processual. “A absolvição sumária reclama a demonstração de plano das causas eleitas, sem margem para incertezas”, escreveu. Como não havia dúvida sobre o que aconteceu no curso de formação, o caso seguiria adiante.
A defesa perdeu em todos os pontos. O juiz também rejeitou o pedido para desqualificar a acusação e manteve o crime dentro da tipificação prevista pelo Ministério Público. O processo agora está na fase de instrução e a audiência de julgamento foi marcada para 27 de março de 2025. O Conselho Especial de Justiça foi formado com oficiais da PM, e o futuro do major será decidido por seus pares. O caso ocorre sob o governo de Fátima Bezerra, primeira mulher a comandar o estado, e reacende o debate sobre o controle da gestão estadual sobre as práticas de sua força policial.
Fonte: Blog do Dina